Há muito tempo as pistas de corrida vêm sendo um dos melhores campos de provas para novas tecnologias, que, mais tarde, poderão acabar sendo usadas nos carros de produção que dirigimos todos os dias.
De compostos e estruturas usados nos pneus aos freios a disco, passando pelos turbo-compressores, pelas centrais eletrônicas, controles de tração, cintos de segurança, injeção direta, e anéis de vedação com menor coeficiente de atrito, grande parte do que equipa os carros de hoje foi introduzido e testado antes nas pistas de competição.
Justamente por essa proximidade entre a necessidade de obter resultados rapidamente sob condições extremas, as equipes de fábrica e as semi-oficiais são as mais utilizadas para introduzir e testar inovações que, mais adiante, poderão ser aproveitadas nos modelos de produção em massa.
Mesmo componentes já usados nos veículos de passeio podem ser aperfeiçoados e ganhar maior durabilidade, por exemplo, depois de testados nos circuitos de competição em categorias de turismo.
No entanto, sem dúvida, é em categorias de ponta como a Fórmula 1, as míticas 24 horas de Le Mans e o Campeonato Mundial de Endurance (WEC) que as inovações são introduzidas e testadas exaustivamente pelos fabricantes, como Ferrari, Mercedes, Honda, Renault, Porsche e Audi, entre outros, assim como pelos seus fornecedores.
Talvez poucos consumidores saibam, mas uma Ferrari de Fórmula 1 já pode transmitir por um sistema de dados wireless (sem fio) até 500 informações diferentes sobre diversos pontos do carro, como motor, câmbio, freios, caixa de direção, pedais de freio e acelerador, freios e daí por diante.
Imagine como isso poderia ser aproveitado em num veículo de passeio, oferecendo informações sobre manutenção preventiva, hábitos do motorista e até interação com as vias de trânsito usadas.
No caso da Porsche, por exemplo, essas provas ajudam a desenvolver conceitos como design de baixo peso, aerodinâmica avançada, motores turbocomprimidos menores, conceitos híbridos ou aumento da linha de veículos elétricos, como explica Wolfgang Hatz, membro do Comitê Executivo de Pesquisa e Desenvolvimento da Porsche AG: “São questões extremamente importantes para o futuro da Porsche – e nós testamos novas soluções para todas elas nas 24 Horas de Le Mans e nas corridas de seis horas do Campeonato Mundial de Endurance da FIA”.
Segundo ele, isso se aplica especialmente no caso dos três Porsche 919 Hybrid que disputam a categoria top do Campeonato Mundial de Endurance (WEC), a classe Le Mans Prototype 1 (LMP1). Os dois Porsche 911 RSR da equipe de fábrica na categoria GT também servem como laboratórios de teste sobre rodas para futuros veículos de produção.
Regras são dificuldade e oportunidade
Novas regras adotadas para 2015 em categorias como a LMP1, limitando a quantidade de energia que os carros das equipes de fábrica podem usar em cada volta, constituem, ao mesmo tempo, dificuldade e oportunidade de desenvolvimento.
Todos os fabricantes devem também utilizar pelo menos um sistema híbrido. No entanto, as regras deixam em aberto aspectos como que tipo de sistema híbrido deve ser usado, a maneira como a energia recuperada pode ser armazenada, a configuração do motor, a cilindrada e o conceito de transmissão da potência para as rodas.
Como consequência, os engenheiros passaram a ter uma grande liberdade criativa, desde que seja obedecido o princípio básico que está por trás das regras: quanto mais energia for usada no sistema de recuperação de energia, menos combustível será queimado.
Foi este conceito revolucionário que levou a Porsche a voltar ao Campeonato Mundial de Endurance, competindo com a Audi, a Toyota e a Nissan em resultados em tecnologia. “Apesar de os quatro fabricantes da LMP1 utilizarem conceitos totalmente diferentes, somente poucos segundos separam o vencedor dos que terminam logo atrás, depois de seis horas de corrida”, explica Wolfgang Hatz.
Das pistas para a rua
A Porsche persegue uma abordagem de três passos com suas atividades esportivas. O primeiro passo foca em pesquisa e desenvolvimento, o segundo em testes e o terceiro em industrializar materiais e tecnologias para aplicação em carros de produção.
Dois dos avanços tecnológicos mais recentes resultantes dessa política são os motores turbo mais compactos e eficientes e os referentes à armazenagem, uso e recuperação de energia em veículos híbridos. Hoje a fábrica alemã já oferece três modelos híbridos “plug in” de alto desempenho produzidos em série: o Panamera S E-Hybrid, o Cayenne S E-Hybrid e o 918 Spyder.
O 919 Hybrid é o único carro do Campeonato Mundial de Endurance que usa dois sistemas diferentes de recuperação de energia. O primeiro é similar ao existente no 918 Spyder: um gerador no eixo dianteiro converte energia cinética em eletricidade durante as fases de frenagem.
O segundo é novo e usa uma turbina adicional no sistema de escapamento que trabalha em paralelo com o turbocompressor e converte a energia do fluxo dos gases de escape em eletricidade.
Com a inovação, o Porsche 919 Hybrid é o único carro que recupera energia quando freia e também quando acelera, o que acontece com muito maior frequência numa competição. Segundo o engenheiro Hatz, o uso do sistema de recuperação de energia dos gases de escape em veículos de produção já está nos planos da empresa.
Alguns engenheiros da Porsche trabalham tanto em projetos de carros de corrida quanto nos de modelos de produção, o que agiliza a troca de informações e conhecimentos. Algumas vezes, a troca vai além: muito antes de o primeiro Porsche LMP1 de corrida estar pronto para rodar, o eixo dianteiro do 919 Hybrid (incluindo o KERS de recuperação de energia, o motor elétrico e a bateria) foi instalado e testado em um 911 GT3.
Recursos agregados graças ao programa de competição também contribuem para o desenvolvimento dos modelos de produção. Por exemplo, o mais moderno simulador de todo o Grupo Volkswagen foi instalado em Weissach para o programa de LMP1 e agora está sendo usado para testes de direção dinâmica e desenvolvimento mais profundo de ajustes e estratégias de sistemas híbridos.
Foco no armazenamento e liberação de energia
Um fator limitante nos sistemas de propulsão híbridos e elétricos é a tecnologia para armazenar a energia elétrica. Nos bólidos que disputam a categoria LTP1 do Campeonato Mundial de Endurance, três tecnologias distintas são usadas: a Audi e a Nissan adotaram volantes de armazenagem, a Toyota, optou pelos ultracapacitores, que são supercapacitores eletroquímicos e a Porsche preferiu as baterias de íon-lítio.
Cada fábrica adota o sistema de armazenamento que melhor se adapta ao sistema híbrido escolhido, já que, basicamente, a escolha visa equilibrar densidade de potência e densidade de energia. Quanto maior a densidade de potência da unidade de armazenamento, mais energia pode ser absorvida e entregue em um curto período de tempo.
Isto é um fator crucial na pista, pois uma grande quantidade de eletricidade precisa ser gerada nos sistemas de recuperação no tempo mais curto possível a cada volta – por exemplo, durante as frenagens. Ultracapacitores e volantes de armazenamento possuem uma vantagem neste aspecto: eles podem absorver grandes quantidades de energia de maneira extremamente rápida e também liberá-las muito rapidamente.
Ao mesmo tempo, as baterias de íon-lítio de alta capacidade permitem armazenar mais energia elétrica por um longo período de tempo e, assim, disponibilizá-la de maneira mais flexível por mais tempo, como, por exemplo, durante os 13,,.629 km. de cada volta no circuito de Le Mans.
A Porsche desenvolveu sozinha uma bateria de íon-lítio com refrigeração líquida, na qual as células individuais são unidas de maneira compacta, refrigeradas igualmente e dispostas de maneira a amortecer vibrações.
Elas permitem acumular e liberar muita energia rapidamente, armazenando grandes quantidades de energia e quase alcançando o desempenho dos ultracapacitores, chegando a superá-los no que toca à densidade de energia disponível. Além disso, são relativamente leves e têm uma alta capacidade de armazenamento.
No Porsche 919 Hybrid, a energia armazenada pela bateria é usada para tracionar o eixo dianteiro nas fases de aceleração através de um motor elétrico com potência equivalente a mais de 400 HP, enquanto toda a potência do motor turbo de 500 HP a gasolina é usado para tracionar as rodas traseiras, numa configuração próxima à de um 4X4 convencional, em que as grandes diferenças estão na tração dianteira não ser permanente e no uso de dois motores separados.
Categoria top: 8 megajoules
De todos os participantes de Le Mans, só o 919 Hybrid foi habilitado para a mais alta categoria de recuperação de energia e, com quase 1.000 HP de potência total, está apto a usar 8 megajoules de recuperação de energia por volta em Le Mans. Em compensação, deve usar somente 4,76 litros de combustível por volta.
Numa corrida normal, o Porsche 919 Hybrid pode gerar até 1.000 kWh (quilowatts-hora) de eletricidade nas 24 horas da corrida, quantidade de energia que permitiria que um dos mais eficientes carros elétricos no segmento dos compactos, o Volkswagen e-Golf, percorresse mais de 6.100 km.
O ganho de eficiência resultante permite um menor consumo de energia sem abrir mão do desempenho. O Porsche 918 Spyder, supercarro esporte de 887 HP e parente mais próximo do 919 Hybrid de Le Mans, oferece um ótimo exemplo disso: possui o recorde do traçado norte de Nürburgring (6min57s) e faz 33,3 km/l.
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