Ano após ano, teimamos em dizer que são as vendas de veículos novos que dão o ritmo do mercado, mas nos esquecemos de estudar quantos dos veículos vendidos acabam sendo equipados. Um olhar mais atento revela que é possível ganhar muito investindo na qualificação do varejo.
O novo ano está começando e você provavelmente continua com a mesma preocupação que o acompanhou por boa parte do ano passado: como é que vai ser 2017? Será um bom ano para o mercado de equipamentos de som e acessórios automotivos? Será que as vendas de veículos novos vão se recuperar e vamos voltar aos “bons tempos”?
Vamos começar por aqui, tentando esclarecer as suas dúvidas. Para começo de conversa, vou revelar qual foi a conclusão à qual cheguei depois de ouvir executivos de peso da indústria automotiva, conversar com economistas e analistas bem informados, além de pesquisar bastante.
Sim, o mercado vai melhorar em relação a 2016. O consumidor vai se sentir um pouco mais confiante e acabar sucumbindo às atrações dos novos modelos. Em consequência, as montadoras vão vender mais.
Agora, números iguais aos registrados em 2012 e 2013 – quando o Brasil emplacava mais de 3,5 milhões de carros e veículos comerciais leves 0 km por ano e era o quarto maior mercado do mundo, só perdendo para China, Estados Unidos e Japão – vão demorar para voltar a se repetir, se é que vão.
Chegamos, em 2016, a pouco mais de dois milhões de carros e comerciais leves emplacados, um número bem abaixo do registrado nos anos áureos, mas mesmo assim expressivo. E as previsões são de que em 2017 esse total cresça até 10%.
Essas são previsões “pé no chão”, realistas, oriundas dos consultores e bem informados analistas da ANFAVEA, entidade que representa as montadoras, e da FENABRAVE, que representa as redes de concessionárias autorizadas.
Não são simples palpites ou previsões aleatórias, mas resultado de análise criteriosa. E – na minha opinião – são até conservadores, já que o volume de emplacamentos do ano passado embute uma quebra de 100 a 150 mil unidades que a Volkswagen deixou de produzir como resultado de uma queda de braço com uma fornecedora sistemista.
A retomada
Como reflexo de uma mudança para melhor no estado de espírito dos consumidores após a conclusão do processo de impeachment do governo anterior, o mercado de veículos novos vem se recuperando. Como apontou o Presidente da ANFAVEA, Antonio Megale, “o positivo é que paramos de cair”.
Só no mês de novembro o emplacamento de carros e veículos comerciais leves novos registrou um crescimento da ordem de 12,1% sobre outubro. E em dezembro a tendência de recuperação tende a continuar sendo mantida, pois esse costuma ser um mês tradicionalmente forte em termos de vendas, apesar do período de festas.
Além disso, o Salão do Automóvel tradicionalmente dá uma injeção de otimismo nos consumidores. Outro fator importante que deve ser levado em conta é o crescimento da média de emplacamentos diários de veículos 0 km, que chegou a 8.900 veículos em novembro.
Ao mesmo tempo, o mercado de seminovos e usados continua com força total, cravando cinco veículos revendidos para cada 0 km que sai de um concessionário autorizado. E os números registrados indicam uma aceleração: em novembro as vendas do segmento cresceram 10,77% em relação ao mês anterior. Entre os veículos com até três anos de uso (os seminovos) o crescimento foi ainda melhor, cravando 23,4% no mesmo período.
Em resumo: o mercado automotivo voltou a respirar, com consistentes sinais de retomada de vendas, que têm tudo para não serem apenas pontuais, mas sim o início de um período de reaceleração.
Existem indicadores de que vamos ter um ano positivo: um deles é a safra agrícola, que promete ser recorde. Uma boa colheita tradicionalmente tem um impacto significativo em muitos estados e costuma gerar reflexos positivos nos números do mercado automotivo como um todo. Outro é a postura das montadoras, que anunciaram, no final de 2016, um novo ciclo de investimentos. Mostrando confiança no mercado brasileiro, a Volkswagen vai investir R$7 bilhões para renovar a sua linha, lançando quatro novos modelos, inclusive um SUV, até 2020. A Toyota promete investir R$ 600 milhões na expansão de sua fábrica de motores em Porto Feliz, SP, inaugurada recentemente, que passará a produzir os motores usados no Corolla. Mais investimentos devem ser anunciados em breve para ampliar a linha de produtos da empresa. A MAN Caminhões, do grupo Volkswagen, vai investir R$1,5 bilhão no período 2017-2021 para renovar a sua linha de produtos, atualizar a sua fábrica em Resende, RJ, e expandir internacionalmente a marca. Mais anúncios de investimentos significativos devem ser feitos em breve por outras montadoras. Como comentou o presidente da ANFAVEA, “num mercado tão competitivo quanto o brasileiro, ninguém pode ficar parado!” Mas é só isso? Talvez você esteja pensando: “mas serão só 2,2 milhões de carros e comerciais leves emplacados em 2017?”. Se estiver, saiba que discordo de você. Acho que esse é um volume bastante significativo. As montadoras tampouco consideram que esse seja um número pequeno: “Dois milhões de veículos não é um mercado desprezível”, afirmou o Presidente da ANFAVEA durante entrevista coletiva com jornalistas especializados realizada em dezembro. Levando em conta que o total de veículos leves emplacado em 2016 foi de pouco mais de dois milhões e que o de veículos usados registrou em média cinco carros e comerciais leves revendidos para cada 0 km que deixou uma concessionária, estamos falando de um total de mais de 12 milhões de veículos com potencial para serem equipados, sem contar com caminhões médios e pesados. Será que isso é realmente pouco? Será que o nosso setor tem estrutura para equipar todo esse volume de veículos? Num cálculo simples, os pouco mais dois milhões de veículos novos emplacados em 2016 significariam uma média de 167 mil unidades por mês. Caso também fossem considerados os seminovos e usados que trocaram de donos, essa média passaria a ser de um milhão de veículos mensais! Talvez muito mais importante do que o volume total de veículos novos ou usados vendidos a cada mês seja o de veículos que foram até uma loja especializada em equipamentos de som e acessórios automotivos para serem equipados ou que fizeram isso ainda numa concessionária autorizada. Qual é o percentual de veículos novos que são equipados? E qual é esse percentual entre os veículos seminovos e usados? São informações que o nosso mercado infelizmente não tem. Ainda assim, tudo leva a crer que seja um número bastante baixo. E quais são os motivos para que esse seja um número baixo? Depois de muito observar, aposto em dois motivos principais. O primeiro é a quase inexistência de publicidade estimulando o consumidor a equipar o seu veículo. A publicidade de acessórios é praticamente nula e a de som automotivo se concentra apenas nos eventos de “som pesado” que atraem um volume de público limitado. O nó do varejo O segundo é, provavelmente, o mais importante dos dois: o varejo desatualizado e ineficiente. Apesar dos esforços pontuais de alguns fornecedores que investem em treinamento, de modo geral acabamos tendo um varejo em grande parte desatualizado em relação à administração do negócio e despreparado em relação às práticas do varejo moderno. Infelizmente, o que vemos é um varejo na sua maioria reativo, que em vez de atrair o consumidor e procurar deixá-lo com vontade de equipar o seu veículo, acaba esperando que esse consumidor tome a iniciativa e entre na loja. Muitas vezes, a publicidade acaba se resumindo a uma faixa na fachada ou cartazes na entrada da loja. Isso quando ela existe. Ouve-se reclamações dos lojistas sobre o preço da publicidade, mas não se percebe a adoção de ferramentas de comunicação de custo acessível, como folhetos, telemarketing ou e-mail marketing. Práticas de fidelização, mesmo as mais simples, raramente são empregadas. Boas práticas de vendas e de retenção de clientes, por mais simples e intuitivas que sejam, parecem passar longe do varejo especializado. Se um consumidor resolve parar para perguntar o preço de um acessório, com grande probabilidade vai receber a informação seca, sem qualquer pergunta que abra um diálogo e permita oferecer outras marcas ou produtos. Quando esse consumidor resolve instalar um equipamento de som ou um acessório, provavelmente vai ter pouca probabilidade de, após um rápido exame, alguém lhe apontar outros produtos que possam ajudar a equipar o veículo – e aumentar o ticket médio. Em resumo: provavelmente o problema mais sério que o mercado brasileiro de equipamentos de som e acessórios automotivos enfrenta seja o varejo. Esse é o nó que “estrangula” todo o resto. Fabricamos e importamos bons produtos, temos uma cadeia de distribuição excelente, mas na hora do varejo é que a coisa pega. Todo o volume de produção e distribuição passa a depender de um varejo ineficiente. A título de ilustração, podemos comparar o nosso mercado ao esquema viário de uma cidade, em que ótimas rodovias e modernas avenidas conduzem todo o tráfego em volume e velocidade adequados até que ele acaba embocando em ruas estreitas e esburacadas. O resultado é um grande congestionamento que termina fazendo com que o trânsito nas avenidas e, mais tarde, nas rodovias vá ficando cada vez mais lento. Usando outra imagem, é como se o fluxo que começa com um encanamento de quatro polegadas de diâmetro tenha no seu final um conta-gotas. Em resumo, se você está preocupado sobre o que fazer para o mercado melhorar em 2017 e nos próximos anos, sugiro que se preocupe menos com os volumes de vendas das montadoras e respectivas concessionárias autorizadas e mais com o que fazer para desentupir o fim do funil, fazendo com que o varejo venda mais e melhor. Estamos nos preocupando com o problema errado! Com um varejo preparado, afinado, vendedor, o mercado vai andar e crescer. Texto: Amadeu Castanho Neto
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