As pressões contrárias parecem ter funcionado e os airbags frontais e os freios com ABS serão obrigatórios em todos os veículos vendidos no País a partir de 1º de janeiro de 2014. Ou quase todos, já que a Volkswagen Kombi poderá ser “perdoada” de seguir a legislação, porque segundo explicou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, “não é caminhonete, não é automóvel, não é veículo; é um produto diferente, sem similar”. A frase – esclarecedora para demonstrar o conhecimento do ministro sobre o que vem a ser um veículo – foi replicada pela Agência Brasil logo após uma reunião de duas horas no gabinete de Mantega, em Brasília, com representantes da Anfavea, a associação dos fabricantes, do sindicato dos metalúrgicos e o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel.
Na semana passada, Mantega tinha anunciado que a exigência provavelmente seria adiada, para evitar demissões e aumentos de preços dos carros calculados entre R$ 1 mil e R$ 1,5 mil, o que poderia causar queda das vendas. Mas durante a reunião foi decidido que a obrigatoriedade de ABS e airbags não será adotada imediatamente após a virada do ano, conforme determinam as resoluções 311 e 312 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), ambas de 2009.
Em entrevista coletiva após a reunião, depois de dizer que a Kombi não é um veículo, Mantega disse que o governo estudará a criação de uma exceção. “Não houve resistência das montadoras em criar um waiver [perdão] para as Kombis porque o produto não tem concorrência”, afirmou. Mas a decisão ainda não está tomada. “É algo que ainda vai ser analisado”, declarou o ministro, que marcou outra reunião com representantes da indústria na próxima semana. Caso a proposta seja levada adiante, a Volkswagen poderá continuar a fabricar a Kombi, mas terá um problema de credibilidade a resolver, após ter lançado campanha publicitária anunciando o fim do modelo e fazer consumidores acreditarem em comprar por R$ 85 mil a série Last Edition, que seria a fornada final de 2 mil unidades do utilitário.
Contudo, o pleito da Fiat por um perdão similar para o Mille não encontrou a mesma compreensão dos concorrentes. Segundo Mantega, não houve concordância das outras empresas porque o Mille tem similares produzidos por outras montadoras no País.
O ministro ressaltou que a obrigatoriedade dos itens de segurança preocupou o governo não tanto por causa do impacto nos preços, mas devido ao impacto no emprego. Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, as demissões podem alcançar entre 10 mil e 15 mil pessoas por causa da extinção das linhas de produção de determinados modelos e o impacto sobre o setor de autopeças. Só na linha de produção da Kombi em São Bernardo do Campo (SP) trabalham quase mil pessoas.
Mesmo assim, não foi aceita a proposta levada a Brasília por sindicalistas na segunda-feira, 16, que pedia o reescalonamento da obrigação para 80% em 2014, 90% em 2015 e 100% só em 2016. Este ano a legislação exige os dois equipamentos de segurança para 60% da frota vendida, mas como muitos lançamentos já anteciparam a exigência, calcula-se que pelo menos 70% dos veículos já estejam enquadrados.
De acordo com o ministro da Fazenda, foi pedido um compromisso das montadoras para mudar os empregados de setor e evitar o máximo possível as demissões. Um grupo de estudo entre representantes das montadoras e do governo analisará a possibilidade de os postos de trabalho serem preservados.
REAÇÕES
A proposta aventada por Mantega e sindicalistas na semana passada de adiar a obrigatoriedade do ABS e airbags causou imediatas reações contrárias, com o argumento de que a preservação de empregos não pode passar pela redução da seguranças dos veículos vendidos no País. Até a presidente Dilma Rousseff, segundo noticiou a imprensa, teria ficado contrariada com a medida. Na segunda-feira, 23 entidades da sociedade civil, incluindo até a União Geral dos Trabalhadores (UGT), fizeram circular um manifesto conjunto no qual repudiavam a proposta de adiamento da legislação (leia aqui).
Por solicitação do Observatório Nacional de Segurança Viária, a Procuradoria de Campinas (SP) do Ministério Público Federal instaurou inquérito civil para verificar a denúncia sobre a prorrogação de prazo para a adoção de airbags e freios com ABS em 100% dos carros vendidos, “decorrente de interferência do ministro da Fazenda ou permissão do ministro das Cidades”.
O procurador Auro Markus Makiyama Lopes enviou uma recomendação aos ministros da Fazenda, Cidades e ao diretor do Denatran para que “se abstenham de criar qualquer entrave ou alteração do cumprimento da obrigatoriedade de instalação de equipamentos de segurança e, mais do que isso, adotem todas as medidas necessárias para que tal obrigatoriedade seja respeitada e cumprida”. O procurador também recomendou a Guido Mantega que “produza nova manifestação pública que desfaça a manifestação anterior que gerou expectativas na sociedade de adiamento das normas de segurança”.
Até no Senado a proposta de adiamento gerou repercussão contrária. Na segunda-feira, 16, os senadores Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) e Ana Amélia (PP-RS) criticaram a proposta em pronunciamentos no plenário. Nunes citou um estudo do Centro de Experimentação e Segurança Viária (Cesvi), apontando quer se todos os veículos brasileiros possuíssem airbags seriam evitadas, por ano, cerca de 500 mortes e 10.100 acidentados feridos.
Em comunicado que circulou logo após as declarações de Mantega, a Proteste Associação de Consumidores avaliou que “foi uma vitória da sociedade civil, que se mobilizou para reverter a prorrogação do prazo da obrigatoriedade desses itens de segurança veicular”. Para a entidade, “felizmente o governo não aceitou o lobby das montadoras e segue assim a orientação da Organização das Nações Unidas (ONU), em sua Década de Ação pelo Trânsito Seguro (2011-2020), em que os governos signatários se comprometeram a tomar novas medidas para prevenir acidentes de trânsito”.
“Teremos ganhos em termos de segurança, com a preservação de vidas e redução de gastos de tratamento de acidentados que ocorriam pela falta do airbag e freios ABS”, avaliou no comunicado Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste. “Os ganhos em termos de segurança compensarão o eventual impacto inicial do custo dos equipamentos sobre o preço do veículo”, defende a associação, que ainda não se manifestou sobre a possível exclusão da Kombi em seguir a legislação.
Fonte: Automotive Business