Quem é empresário sabe o quanto é difícil manter uma empresa em funcionamento. Segundo dados do IBGE, só pouco mais de 50% das empresas passa dos três anos de vida. Por isso, quando uma empresa alcança 25 anos em funcionamento, são muitos os motivos para comemorar.
É justamente esse o caso da distribuidora mineira de acessórios automotivos Promotiva Pronta Entrega Automotiva, de Belo Horizonte, que tem à frente o casal Hernane e Adonides Alves. Filho de comerciante, “seu” Hernane perdeu o pai prematuramente. A convite de um amigo, começou a trabalhar como vendedor na Metalbras, empresa de São Paulo que vendia fechaduras. Logo passou a supervisor de vendas, responsável por diversos estados e quando a empresa lançou uma linha de fios para eletrônica, ele percebeu a oportunidade que o mercado ligado à eletrônica oferecia.
Viajava continuamente, até que um acidente rodoviário muito sério o deixou engessado por meses e o obrigou a parar de viajar. Foi quando surgiu oportunidade de ser representante para Minas Gerais da Novik, fábrica que tinha uma linha alto-falantes, inclusive para carros. Ele lembra que eram autorrádios valvulados com ondas curtas, médias e longas. Depois, a empresa lançou uma linha de alto-falantes automotivos.
Complementando a linha, também representou outros produtos e marcas de grande renome na época, como os toca-fitas de cartuchos Invictus, os auto rádios Coloradi, os amplificadores Cash Box e os booster, equalizador e toca-fitas da Tojo. Além disso, representava a linha de componentes eletrônicos da Telefunken e alguns outros clientes de produtos complementares, como antenas.
Da representação à distribuição
Com a decadência de muitos dos fabricantes de produtos não automotivos, ele teve de ir à luta. Passou a encher o porta-malas do carro com produtos automotivos e sair vendendo e entregando de loja em loja pelo interior do estado. O porta-malas não leva um mostruário, lembra; era o estoque mesmo.
Paralelamente, a Hernane Representações passou a ter um estoque de produtos para distribuição. Eram amplificadores Power Box, bandejas para tocafitas da Metalúrgica Bom Retiro, telas de alto-falantes da Ludovico, “empresas que passaram a confiar na gente e nos vender produtos”, confessa com humildade, lembrando do começo difícil e dos nomes dos donos de cada empresa.
Fundadada num dia 19 de março, dia de São José, padroeiro dos trabalhadores e santo de devoção de “seu” Hernane, a empresa primeiro se chamou Pronta Entrega Automotiva e depois agregou o Promotiva, assumindo o nome atual.
Sem saudade, ele lembra que a maior dificuldade nessa época era com a comunicação. Para entrar em contato com os clientes, o meio de comunicação mais usado era o envio de cartas, que tinham de ser pesadas e seladas antes de serem mandadas.
Com um grande volume de correspondência, foi preciso comprar uma grande quantidade de selos e uma balança de selar as cartas para ganhar tempo, evitando as longas e demoradas filas nas agências dos Correios.
Ele se recorda que uma ligação telefônica tinha de ser pedida a uma telefonista e quando “saía” no mesmo dia, chegava a levar oito horas para ser completada. Já as estradas eram “um caso muito sério”: a única pavimentada, em que se podia transitar sem grandes problemas, era a Rio – Bahia, que cortava parte do estado de Minas Gerais. O resto eram estradas de terra, que na época das chuvas ficavam intransitáveis, e visitar os clientes espalhados pelo extenso território do estado exigia viagens de 400, 500, até 600 km na terra.
Muitas vezes, a opção era visitar os clientes viajando de trem. Numa dessas viagens, o trem descarrilhou por causa da queda de um barranco e ele teve de passar o Natal fora de casa, até o tráfego ser normalizado . Na época de chuvas, não era incomum ter de ficar dois, três dias ilhado em uma cidade do Interior, sem telefone ou transporte.
Apesar das dificuldades, “seu” Hernane se orgulha de conhecer todo o estado de Minas Gerais, embora admita que as cidades cresceram muito, a ponto dele não conseguir mais reconhecê-las. No principio, ele dividia seu tempo dedicando uma semana ao Interior e outra a Belo Horizonte. Nos seus mais de 50 anos de trabalho, ele conta com orgulho que viajou por mais de 20 anos pelo mercado de Minas.
Desde o começo, o seu foco na Promotiva foi atender só Minas Gerais. Numa época, se animou e investiu no atendimento de clientes de outros estados, mas o advento da substituição tributária tornou isso inviável.
Com os pés no chão
Sempre de olhos nos custos, “seu” Hernane mantém os pés no chão, tendo bem claro que a função do distribuidor é receber e distribuir e que, para isso, a estrutura deve ser enxuta para não aumentar os custos.
Hoje, a empresa tem 32 funcionários internos e oito motoboys tercerizados. A área de vendas conta com 13 vendedores e cinco atendentes no telemarketing.
Apesar da estrutura e do jeito tranquilo e humilde, ele está sempre atento a tudo e bem informado. Faz questão de lembrar que “apesar de termos muitos funcionários de confiança, ninguém toma uma decisão sem me consultar”.
Com o crescimento da Promotiva, foi preciso criar novas empresas, com focos específicos. Enquanto a empresa-mãe está mais voltada para produtos das áreas de som, conforto e segurança, a Disvel, cuja direção foi confiada a uma das duas filhas e ao genro, tem seu foco principal em acessórios para pick-up’s, entre outros.
Completando o grupo, a New Kit é a única que não atua em distribuição, montando módulos de vidro elétrico e de segurança. As empresas somam cerca de 1.500 clientes e distribuem mais de dois mil produtos diferentes.
Uma grande família
Desde o começo, dona Adonides trabalhou com o marido, deixando de lado o trabalho como professora. Os dois acham que os grandes diferenciais da Promotiva são o jeito familiar de administrar a carteira de clientes, o tratamento personalizado que cada um deles recebe e o profundo conhecimento de suas empresas. Muitos desses clientes são conhecidos por décadas; e suas famílias, por mais de uma geração.
“Pouca gente tem um modo de administrar como o nosso. No que ela faz, eu não me meto e vice-versa. É 100% de confiança um no outro. Temos muita tolerância e modos diferentes de administrar. Um respeita o trabalho do outro. Ela gosta mais da área financeira, de cobrança e eu da comercial”, explica “seu” Hernane, dando uma pista para a fórmula de como trabalhar junto e também para os 45 anos de casamento.
Eles trabalham em salas separadas, mas na frente uma da outra, separadas apenas por um corredor. Nas duas, as fotografias dos netos têm destaque junto à imagem do santo da devoção.
Na dele, um quadro com as páginas de uma entrevista concedida à AutoMOTIVO há cinco anos ocupa lugar de destaque numa parede ao lado da mesa de trabalho.
No tocante ao relacionamento com os clientes, eles contam que são considerados pai e mãe por muitos do mercado, a ponto de muita gente chega a chamar dona Adonides de mãe ou de tia.
Ela conta que “temos aqui uma liberdade de o cliente poder trabalhar conosco da maneira que achar melhor. Eles confiam na gente e nós neles. É uma relação quase familiar. Outras empresas têm regras mais rígidas, então isso é muito mais difícil de acontecer. Somos amigos, pai e mãe da maioria dos nossos clientes. O cliente faz parte da família”. O marido concorda e reconhece: ”é um jeito de administrar muito peculiar”.
Receita de sucesso
Além de trabalho duro – os dois dão expediente na empresa de segunda a sábado, chegando e saindo junto com os funcionários – “seu” Hernane diz que a sua receita de sucesso inclui qualidade de trabalho, bom atendimento e muita humildade.
“E crédito, que sempre consideramos importantíssimo. Nunca tivemos um protesto. Até hoje, muita coisa só compramos à vista ou com pagamento antecipado”, complementa. Muita atenção ao crédito é o conselho que ele se permite dar para os mais novos, explicando que “é o que vai dar vida ao negócio, é o oxigênio do negócio”.
“O mercado automotivo é o que mais cresce no Brasil e ainda tem muito mercado para crescermos”, ele diz, embora esse crescimento também acabe gerando alguns problemas. “Em função do crescimento do mercado surgiram muitos fabricantes e importadores novos que, com dificuldade de vender para os grandes distribuidores, passam a estimular lojistas a se transformarem em distribuidores e a abastecer essas novas empresas. Para sobreviverem, esses novos distribuidores tem de apelar, gerando uma concorrência predatória”, explica.
“Anteriormente, as fábricas eram muito mais rigorosas na abertura de novos clientes e na concessão de crédito”, lembra ele com saudade, contando que a Novik, que não vendia para distribuidor iniciante, nem mesmo como pagamento antecipado. Mesmo ele sendo representante da fábrica para o estado, não conseguiu comprar produtos para a Promotiva quando ela começou. Embora na hora isso tenha sido difícil, hoje ele dá razão à política da fábrica.
Por: Amadeu Castanho
Fotos: Equipe AutoMOTIVO