O recente escândalo do Grupo Volkswagen, a prisão de executivos de uma fabricante de baterias automotivas por vendas sem notas fiscais e o grande número de manifestações durante o 2º Fórum do Mercado de Som e Acessórios mostram que não há mais lugar para práticas antiéticas.
Durante os últimos anos, usamos este espaço para analisar, a cada mês, os números do mercado automotivo. Focamos nos modelos mais vendidos, analisamos tendências, discutimos números dos segmentos, examinamos oportunidades para equipamentos de som e acessórios automotivos em veículos novos e nos usados.
Este mês, no entanto, nossa análise tem um foco bem diferente mas nem por isso menos importante: a urgente necessidade de mudanças em direção de um mercado mais ético, transparente e formal.
O Caso Volkswagen
No final de setembro, uma das manchetes em jornais, revistas e sites do mundo todo foi o escândalo no qual se envolveu o grupo Volkswagen depois da divulgação, pela agência ambiental do governo norte-americano (EPA), de que os veículos com motor diesel produzidos pelo grupo empregavam um software que permitia fraudar os resultados de testes de níveis de emissão de poluentes.
Em países como os Estados Unidos, as normas anti-poluição são bastante restritivas e um software como o utilizado pela Volkswagen permite burlar essas normas, detectando quando o veículo está sendo testado e fazendo com que o motor se comporte de modo diferente de quando é usado no dia-a-dia, resultando em níveis de poluentes muito mais baixos.
Usando um artifício desses, a empresa consegue economizar tempo e milhões de euros em pesquisas, conter custos de seus produtos, obter vantagens em relação a concorrentes e, como consequência, ganhar muito dinheiro.
Depois de admitir publicamente a fraude, o CEO do grupo, Martin Winterkorn, acabou assumindo a culpa por não ter agido e pediu demissão. Mais tarde, também acabou renunciando ao cargo de CEO da Porsche, maior acionista da Volkswagen, e deve deixar a Presidência da Audi, outra empresa do grupo.
A Robert Bosch, empresa que desenvolveu e forneceu o software ao grupo Volkswagen, esclareceu que o fornecimento ao grupo havia sido feito “apenas para testes”, mas não deixou claro por que razão os produtos equipados com ele continuaram a ser fornecidos às montadoras envolvidas por anos a fio.
Segundo estimativas do próprio grupo Volkswagen, a fraude abrangeu nada menos que onze milhões de veículos diesel das marcas Volkswagen, Audi, Skoda e SEAT.
São cerca de 5 milhões de carros de passeio e 6 milhões de comerciais leves, sendo 8,5 milhões na Europa, equipados com o motor turbodiesel 2.0 TDI e, possivelmente, 1.6 TDI, ambos da família EA 189.
Além da EPA, agências governamentais e órgãos da Justiça de diversos países estão investigando o caso e mesmo as expectativas mais otimistas estimam que o grupo Volkswagen terá de pagar bilhões de euros em multas e compensações, além de ter arcar com o custo de comunicação, peças e mão de obra de um recall desses onze milhões de veículos.
Num primeiro momento, o grupo anunciou que provisionou 6,5 bilhões de euros (mais de 28 bilhões de reais) do seu faturamento para arcar com os custos do problema.
No Brasil, a Volkswagen já confirmou que 17.057 pick-ups Amarok usam o software fraudador e terão de passar por um recall, prometido para 2016. Segundo a legislação vigente, o IBAMA pode aplicar uma multa cujo total pode chegar a R$ 50 milhões.
Para complicar, agências governamentais de diversos países embargaram a venda de modelos equipados com o motor 2.0 TDI. Um dos modelos atingidos foi o Passat 2016, que teve o certificado negado nos Estados Unidos.
Além de todo o prejuízo financeiro e mercadológico, há ainda o de imagem. Com o escândalo envolvendo a Volkswagen e a Audi, a fama de seriedade e rigor técnico da indústria automotiva alemã foi para o espaço, apesar de outras marcas
renomadas como Mercedes-Benz, BMW e Porsche não terem sido envolvidas na fraude.
O caso das baterias
No início do segundo semestre deste ano, após três anos de investigação, a Receita Federal, o Departamento de Polícia Federal e o Ministério Público Federal deflagraram uma operação, batizada de Água Viva (Pólo Negativo), com objetivo de combater a prática de crime contra a ordem tributária.
Depois de identificar no varejo indícios de sonegação, as investigações acabaram centradas na fabricante de baterias Tudor, com unidades em Bauru (SP) e Governador Valadares (MG), suspeita de distribuir seus produtos no mercado com nota fiscal reutilizada ou subfaturada.
Segundo a Receita Federal, “durante as investigações foi possível comprovar que a prática delituosa estava disseminada na organização e era realizada à margem dos registros oficiais e seria, inclusive, acompanhada pelos principais sócios. Há indícios de que o esquema funcionasse desta forma há vários anos, inclusive com uso de sistemas informatizados paralelos para controle do caixa dois”.
Ainda segundo a Receita, o valor das multas a serem pagas pela Tudor deve chegar a 200 milhões de reais e “além da empresa, poderão ser multados e responderão pelos crimes investigados, clientes que se utilizaram do artifício, que configura crime contra a ordem tributária”.
Foram cumpridos mandados de prisão temporária, conduções coercitivas e 17 mandados de busca e apreensão nas sedes da empresa e nas residências dos sócios, abrangendo as cidades de Governador Valadares (MG), Cuiabá (MT), Bauru e Piracicaba (SP).
A operação envolveu 34 servidores da Receita Federal e 102 policiais federais e resultou na prisão de um dos sócios na empresa e um funcionário, além da condução coercitiva de outras três pessoas.
O caso foi amplamente noticiado pela Imprensa de todo o País e, de acordo com a Polícia Federal, envolve reutilização de notas fiscais, vendas com emissão de nota fiscal com valor menor e omissão de venda de sucata.
Fórum: o mercado se manifesta
Durante o 2º Fórum do Mercado de Som e Acessórios, realizado pela AutoMOTIVO no último mês de agosto, distribuidores, fornecedores e lojistas se manifestaram com veemência, pedindo mudanças de postura em favor práticas mais éticas, maior transparência e maior formalidade.
Embora o tema central do Fórum fosse a política comercial, não faltaram depoimentos relatando vendas sem nota ou com a chamada “meia nota” como uma das práticas adotadas por alguns players que geram resultados prejudiciais para o mercado como um todo.
Informações e reclamações sobre esses tipos de práticas são recorrentes e circulam pelo mercado há muitos anos, mas até o 2º Fórum não eram colocadas nem discutidas publicamente e de forma tão clara.
Durante essa mesma edição do evento, o advogado tributarista Dr. Matheus Viana deixou bem claro em sua palestra que, cada vez mais, as Secretarias da Fazenda e a Receita Federal estão fazendo o cruzamento dos dados declarados por lojistas, distribuidores e fornecedores, procurando indícios de fraudes fiscais.
Outro assunto abordado por alguns participantes foi a utilização de estados brasileiros transformados em verdadeiros “paraísos fiscais” pela má utilização da Substituição Tributária para a venda de equipamentos de som e acessórios automotivos com vantagens para outros estados.
Também foram mencionados outros casos de práticas “alternativas”, como a venda de acessórios com notas mencionando que os impostos seriam recolhidos pelo comprador, por exemplo.
Ficou claro para todos os participantes que o mercado mais do que pede mudanças, ele exige um comportamento mais ético, no qual as mesmas regras valem para todos; mais formal, no qual vendas sem nota ou com meia nota e outras práticas
que contrariam a legislação não têm vez; mais transparente, no qual o discurso de venda e a prometida parceria são transformados em realidade.
É hora de mudar!
Um rápido exame desses casos deixa claro que o mercado não tolera mais práticas antiéticas, pouco transparentes ou abertamente desonestas.
Quem adota esses tipos de prática precisa acordar para essa mudança de ânimo dos demais players e mudar rapidamente, caso deseje sobreviver. A conclusão é lógica e clara: é hora de mudar!
Qual empresa do nosso mercado sobreviveria a notícias da prisão de seus diretores, a uma devassa na sua contabilidade atingindo seus fornecedores e clientes, sem falar no pagamento retroativos dos tributos, juros e correção monetária, além de multas de 150% sobre o valor sonegado?
Quanto seria preciso gastar com a contratação de advogados para a defesa da empresa e de seus diretores?
Quem adota esses tipos de “atalhos” para obter vantagens em relação aos concorrentes e aumentar o seu lucro, pensando que esses são casos extremos e isso jamais vai acontecer com ele, deve reconsiderar.
Quem age assim precisa acordar e perceber que os tempos mudaram! Não há mais intocáveis! Quem um dia imaginou ver nos noticiários das principais emissoras de tevê e nas capas de jornais poderosos empresários e políticos presos e até algemados?
Qual de nós poderia pensar que um dia políticos de projeção nacional seriam investigados, processados e condenados à prisão?
O caso da Volkswagen é emblemático e mostra que não há mais empresas que estejam acima do bem e do mal. Um grupo industrial, até então considerado inatacável e com práticas do mais alto nível, não só é francamente exposto como também acaba tendo que reconhecer publicamente que vinha enganando agências governamentais, seus revendedores autorizados e o público há anos.
As multas bilionárias são apenas a ponta exposta do iceberg, uma das muitas consequências desse caso, que promete ter ainda mais repercussão. Quanto irá custar o recall dos mais de onze milhões de veículos com o tal software? Quanto a empresa vai ter de gastar com a sua defesa legal nos diversos países onde atua?
A coisa não para por aí: o uso do diesel como combustível automotivo pode ter sido gravemente comprometido. E, ao menos nesse aspecto, a Robert Bosch deve ser afetada, já que é a maior fornecedora mundial de produtos para motores diesel.
No caso das baterias, muito mais próximo do nosso dia-a-dia, as Secretarias da Fazenda já se movimentam para fazer suas respectivas autuações. Além disso, o que vai acontecer quando a Receita Federal e as Secretarias da Fazenda começarem a autuar os varejistas que aceitaram receber mercadorias sem nota fiscal ou com notas a menor?
Será preciso esperar um caso semelhante a esse acontecer no nosso mercado para mudarmos de postura? Alguém, em sã consciência, não sabe que quando um caso desses acontecer vai ser sucedido por uma série de outros, numa reação em cascata?
Infelizmente, basta puxar uma ponta do “fio”, num varejista ou distribuidor, para expor um sem número de outras conexões.
Vamos torcer para que esse cenário tenebroso não venha a se tornar realidade no mercado de equipamentos de som e
acessórios automotivos! Já temos problemas de sobra para ter de encarar mais um desse quilate.